quinta-feira, agosto 31, 2006

Achava eu que nestes tres anos ja me tinha deparado com todas as peculiaridades dos centros de saude londrinos: pessoal que quase nao fala ingles, funcionarias dislexicas que sao incapazes de copiar sobrenomes de um formulario sem trocar a ordem das letras, analises ao sangue como unico meio de diagnostico, dar sangue sentada numa cadeira de costas direitas com uma enfermeira ao lado a ver se a paciente nao desmaia, medicos que nao acreditam na existencia de toxoplasmose no Reino Unido, ter que ensinar uma recepcionista a usar o google... mas estava enganada. Receio que, citando o grande Winston Churchill, isto nao seja o principio do fim, e apenas o fim do principio.
Como o centro de saude a que pertenco fica a uma hora de viagem da minha casa e nao tenho muita confianca no clinico geral que me foi atribuido-o tal que nao acredita na existencia de toxoplasmose-resolvi tentar inscrever-me no daqui da zona. A primeira recepcionista que me atendeu, a habitual menina-que-nao-se-pode-dar-ao-trabalho-de-parar-de-pintar-as-unhas-ou-interromper-a-leitura-do-tabloide-e-mesmo-que-se-desse-o-nivel-de-literacia-nao-chega-para-executar-tarefas-mais-complicadas-que-transportar-canecas-de-cha-para-a-recepcao, remeteu-me aos cuidados da colega mais velha. A dita colega, uma senhora muculmana de origem africana- a principio extremamente agradavel e eficiente, encerrou de imediato a minha inscricao quando lhe disse que estava gravida.
-Nao a podemos inscrever aqui?
-Porque nao?
-Porque esta gravida e o unico clinico geral disponivel no centro e um homem.
Eu pensei que estavamos a ter o que no jargao politicamente correcto se designa por "falha de comunicacao" e insisti:
-Eu nao percebi...
E a recepcionista, devagar e mais alto, voltou a repetir que o unico medico disponivel era um homem-um HOMEM.
"Sera que eu me enganei e em vez de virar a esquerda virei a direita e entrei na mesquita que fica frente ao centro de saude?" perguntei-me eu. Mas nao, estava mesmo no centro de saude de Acton Town.
Estou neste momento a pensar no que fazer a seguir, talves um inventario dos credos religiosos das recepcionistas dos centros de saude e hospitais da capital-e que, bate na madeira, posso ter um acidente e uma testemunha de jeova decidir que nao posso receber transfusoes, ou no futuro ver o meu acesso a contraceptivos orais barrado por algum farmaceutico catolico.
O que acabei de contar nao passa de um pequeno episodio ridiculo, mas quantas mulheres terao tido o acesso a cuidados medicos basicos comprometido por preconceitos culturais e atavismos religiosos?

5 Comments:

At 3:32 da tarde, Blogger ana said...

Passe o ridículo da situação, isso parece-me muito grave. Não vais dar parte disso à direcção do centro de saúde?

 
At 3:38 da tarde, Blogger Joana said...

estou a pensar nisso, estou.
o problema e que neste momento e com a filosofia politicamente correcta que impera aqui, o mais provavel e que nao aconteca nada e eu so me meta em chatices-e alem do mais, nao tenho testemunhas do que se passou

 
At 3:54 da tarde, Blogger Joana said...

Em abono da verdade acho que se fosse uma pessoa mais persistente, estivesse para me chatear e o meu marido nao tivesse um seguro de saude que me permite ter assistencia privada se for preciso, provavelemente teria sido inscrita quer a senhora gostasse, quer nao- mas o facto de lhe passar sequer pela cabeca que pode impor os preconceitos religiosos dela ao publico e inacreditavel

 
At 3:57 da tarde, Blogger Keila Vieira said...

nossa..isso é surreal e inédito..estou perplexa! Realmente é uma situação muito grave. E ainda existe o medo de que o diretor do centro de saúde também guarde suas restrições de credo.

 
At 5:16 da tarde, Blogger fantasma said...

É uma coisa impressionante, realmente. E às vezes falam que Portugal é 3º mundo e tal... e em grandes cidades vê-se coisas destas.

 

Enviar um comentário

<< Home