DIAS INFELIZES
Enquanto esperava que um dos meus programas corressem fui percorrendo um a um os links da coluna "Visitas". Um dos blogs que leio frequentemente chama-se Dias Felizes, o que neste momento e tudo o que os meus nao sao-os meus dias sao dias infelizes. Podia dizer que eram dias tristes, mas nao e verdade -ha sempre algo de nobre e belo na tristeza e os meus dias sao feios, cinzentos, desajeitados e muito longos: se fossem uma paisagem seriam um descampado enorme cheio de maquinas de lavar enferrujadas e arvores cirroticas, um daqueles sitios onde os condutores abrem a janela do carro e lancam garrafas de plastico vazias.
Desde que perdi o meu bebe tornei-me incapaz de fazer planos e de confiar no futuro, sei que a verdade ultima e que so existe acaso e que toda a nossa esperanca e boas intencoes nao contam para nada. Agora vivo na eternidade, e na eternidade nada muda-o passado era um tempo mais feliz e o futuro deixou de existir.
O que e estranho e que continuo a ser capaz de arrumar a casa, ler papers, programar computadores e escolher no supermercado a lata de tomates mais barata...vou a festas de anos, jogo badmington, leio o jornal, separo o vidro claro do vidro escuro antes de o deitar no vidrao, rego as plantas e digo aos turistas perdidos no Hyde Park como chegar ao memorial da Princesa Diana... Aparentemente continuo a ser a mesma pessoa educada, simpatica e um bocadinho distante: a que se senta em todos os comites, ouve todas as intervencoes e faz sujestoes inteligentes que agradam a varias partes... se alguma coisa mudou em mim, pelos vistos nao se nota a superficie e consigo criar a ilusao que de algum modo todas estas coisas me interessam. Viver deve ser um habito, um automatismo, uma coisa que fazemos mesmo quando deixamos de estar presentes.
12 Comments:
Neste momento sou a pessoa menos indicada do mundo para te dizer seja o que for. Hoje cedi finalmente e sujeitei-me a ser medicada. A única coisa que sei é que perdi dois bebés e que o processo de luto foi longo e muito, muito semelhante ao que descreves. Aliás, sem ter perdido nenhum bebé agora, encontro-me numa situação quase idêntica à tua, com a diferença, não dispicienda, de já não conseguir sequer manter as aparências. Mas esse teu processo é um processo pelo qual tens de passar. E que vai passar. Prometo. E olha que não ando aqui para ganhar eleições. Escreve-me.
Nem sabes como te compreendo, muito embora a minha situação de perda seja a que já se conhece. O que me acontece ultimamente é perguntar-me como cheguei até aqui sem "chatear" demasiado os outros, tal e qual como descreves, mantendo as rotinas de sempre. Acho que alguns de nós vêm já equipados para conseguir fazer isto: andar, andar sempre. Pergunto-me se alguém notará a ferida aberta e essa incapacidade de nos projectarmos no futuro. No meu caso pouco me interessa mesmo o futuro. Um beijo enorme, querida Joana e já sabes que estou sempre aqui.
Amiga, que dizer-te? Vem almocar comigo, vem falar comigo. Estou aqui, tao perto que se esticares os dedos me tocas. Forca, estica-te...
:o(
Beijos.
Sobreviver é, como muito bem disseste, um hábito.
Levantar às 6:01 da manhã, desligar o despertador, ir ao quarto de banho lavar-se e aparar a barba, vestir o fato, sentar-se à mesa onde o esperam as papas de aveia. Comer, levantar-se, grunhir um "até logo, Ana Maria", sair sem um beijo, resistir estoicamente a mais uma viagem de autocarro ensardinhada, fazer a travessia do Tejo, outra viagem de autocarro até à repartição. Parar, ajeitar o casaco e o cabelo, percorrer os dois metros seguintes e entrar. Sorrir ao chefe ao entrar, aquele sujeito gorduroso, porco ridículo que tem a mania que é melhor que os outros só porque é sobrinho do Procurador. Fazer má cara ao energúmeno que trabalha na secção de informática ("sempre com aquela roupa reles, sempre com um sorriso para todos, aposto que anda sempre drogado... igualzinho aos paneleiros dos amigos que o meu filho arranja, o mundo está perdido!"), sentar-se atrás do vidro ligeiramente opaco, barreira inestimável. Alinhar as canetas e os papéis, ligar o computador, ajeitar os óculos sobre o nariz, 08:30, olhar em frente e ver entrar os primeiros conjuntos de papéis, carregados pelos primeiros contribuintes do dia. Confirmar, carimbar. Corrigir, confirmar, carimbar. ("Mau, que me quer este?") "Não, claro que aqui não é a secção de IRC. O balcão de informações é ali para o fundo, pergunte lá." Carimbar, arquivar, arquivar, carimbar. "12:00, vai ter de voltar depois da hora de almoço. Confirme na porta." Sorriso de orelha a orelha ("toma lá, se julgavas que eu ia ficar aqui na hora de almoço estavas muito enganado..."), saída para almoço. 12:59, voltar a sentar-se atrás do gume do vidro, olhar desafiador. Carimbar, arquivar, carimbar, arquivar, carimbar. Levantar o sobrolho ("olha-me este, nem para vir à Repartição se veste direito?"), arrancar as folhas da mão do contribuinte, carimbar, rosnar um "pode ir, seguinte!", carimbar carimbar carimbar. 17:30, "volte amanhã, vai fechar". Levantar-se, compôr o fato, sorriso e até amanhã para o chefe, olhar de soslaio ao impertinente da informática, sair da repartição para o meio da turba. Partilhar o autocarro com pirralhos que agridem toda a gente com as mochilas, adolescentes depravados e toda a escória da sociedade. Barco, autocarro, endireitar a aba do casaco, entrar. Pousar a mala, sentar-se no sofá a ver os males do mundo passar frente aos olhos, terrorismo por todo o lado e ninguém faz nada, se impusessem regras no mundo as coisas funcionavam, "no meu tempo é que era, sabia os rios afluentes linhas de comboio cidades vilas e aldeias com número ímpar de ovelhas de todo o império!, não é como os jovens de hoje em dia...", Levantar-se para jantar, "finalmente, Ana! Já disse que gosto do meu jantar a horas", sentar-se pesadamente na cadeira, comer com os olhos fixos na televisão, levantar-se e ir dormir. Atirar as meias para um canto, vestir o pijama aos quadrados, deitar-se e fechar os olhos.
Mas há pessoas que vivem. Que se despedem com um beijo ou um sorriso, que sorriem quando encontram um amigo no caminho, que lêm nas viagens, que fazem festas ao cão do vizinho, que cantam anormalidades em jantares com amigos só porque lhes apetece, que dançam no São João, que ouvem a música que lhes apetece, cujos olhos apontam para o canto superior direito quando escrevem.
Que sobrevivas, mesmo quando deixas de ter vontade de viver, faz toda a diferença. Faz tanta diferença como a que há entre dias tristes e dias infelizes, digo eu.
Sabes que estamos todos por aqui algures... entretanto continua a dizer olá de vez em quando, gostamos de te ouvir.
Gostaria de poder dizer algo que melhorasse os teus dias... mas não consigo. Geralmente calo-me sempre quando os outros precisam de me ouvir. Tenho medo de dizer algo que magoe, que piore a situação. Desculpa.
Digo-te somente que há muito tempo que não me vinha as lágrimas aos olhos e que penso sempre em ti.
Beijo Grande.
P.
Querida Joana,
Acho que já te disseram tudo, mas o drakferion disse-o muito bem!
Viver é mesmo marrar com os cornos no chão vezes sem conta! Empurrarem-nos pelas costas quando pensamos que vamos finalmente ganhar velocidade e cair outra vez. E ainda outra, e outra! E às vezes ficarmos tão fartos de cair ao chão que nem nos apetece levantar. E tentar dar mais um passo. E não conseguir às vezes! E perder, perder sempre! Perder um pai, perder uma mãe, perder um filho. Hás vezes perder isto tudo e ainda mais! Mas se desistimos, deixamos de viver e passamos a sobreviver.
Eu tento não desistir, deixar-me envolver pelas pontuações de felicidade que vão aparecendo, ver o lado bom das coisas, olhar o mundo com ironia. Às vezes é difícil, outras quase impossível, outras vai-se andando com a cabeça entre as orelhas, como diz o outro, e esperam-se melhores dias.
Não desistas
Beijos
Obrigada pelo apoio a tod@s, a serio...
Sinto-me assim mas nao e por falta de atencao ou de carinho,eu sei que estao ai se eu precisar....
:-)
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Ah, o andré falou e disse. Acho que vou fazer um poema. Escute bob dylan - like a rolling stone, na estrofe final.
Um beijo
Eu gostei de ter sido capaz de devolver o gesto...
Raramente escrevo bem, mas desta valia a pena e saiu como devia. :)
Mas bom.
Só tu é que me fazes rir alto ao ler posts, vê lá. Aquele retoque final não era acessório de etiqueta. :-b
{{{Joana}}}
Mesmo que nem sempre presente por palavras, continuas no meu coração.
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