DAS INSONIAS E DA QUESTAO DO MASSACRE DE 1506
Guilt is a wasted emotion... or so I keep telling myself
Angel Dark, Demon Bright- Gene Roddenberry's Andromeda
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Gracas as insonias que me tem atormentado nos ultimos tempos tive a oportunidade de ir seguindo o debate em torno da questao das 4000 velas em memoria do massacre dos cristaos novos em 1506. (Quem estiver interessado pode consultar o Rua da Judiaria, o Quase em Portugues, ou o Cocanha, o Miniscente , o A Origem das Espécies ,o Adufe , o A Memória Inventada, o Os Tempos que Correm ,o Renas e Veados ,o O Amigo do Povo ,o Bombyx Mori ,0 Ma-Schamba, 0 Água Lisa, o Local & Blogal o Welcome to Elsinore,o Dragoscopio e ir seguindo os links)
Espanta-me que alguem tao inteligente como o Nuno Guerreiro, ainda nao se tenha apercebido que os leitores do seu blog sao na sua maioria gentios e como tal vao interpretar o que escreve a luz de uma tradicao cultural fortemente influenciada pelo catolicismo, no contexto do qual o acender velas e o orar pelos martires sao accoes com conotacoes religiosas especificas- sendo uma das quais a expiacao de culpas e pecados. O autor do Rua da Judiaria diagnosticou, e na minha opiniao correctamente, que alguns dos detractores da cerimonia das velas sao motivados por sentimentos de anti-semitismo, contudo este anti-semitismo e de origem moderna e laica, nao tem relacao alguma com o massacre de 1506, sendo antes motivado por uma condenacao quer das politicas interna e externa do estado israelita quer da capitalizacao do holocausto judaico por parte de alguns grupos de interesse. Por muito justa que seja a indignacao sentida por muitos de nos relativamente a questao isrealo-palestiniana e tudo quanto lhe esta associado, ninguem tem o direito de a projectar sobre o Nuno Guerreiro e de o acusar de ter uma "agenda", as suas intencoes ao lembrar o pogrom de Lisboa sao, tanto quanto sei e nao tenho motivos nenhuns para supor que assim nao seja, perfeitamente legitimas e cristalinas. Mesmo raiando por vezes o proselitismo, o Rua da Judiaria nao e uma quinta coluna sionista .
A teoria da conspiracao da existencia de um suposto complot para eliminar a memoria do massacre parece-me totalmente descabelada, mas tem tido os seus apaniguados. Nao vou entrar por este caminho, sao quase 2 da manha e eu ainda tenho muito que escrever...
E verdade que muito boa gente nunca ouviu falar do pogrom de Lisboa, mas o mais provavel e que tambem ignore a existencia da questao do mapa cor de rosa ou do tratado de Metween , e se sabe que existiu o processo dos Tavoras e gracas ao famigerado Moita Flores. Por falar em Moita Flores, onde e que ele anda? Como e que ainda nao aproveitou este sumarento material para produzir mais uma seriezita cheia de atrocidades diversas, mortes violentas e gore galore?
A titulo de curiosidade vou divulgar os resultados de um pequeno inquerito sobre este tema feito aos membros da minha familia imediata: eu, a minha mae, a minha avo e o meu irmao Paulo conheciamos razoavelmente bem os factos, o meu marido disse que se estava a borrifar para as polemicas dos blogs e que eu nao me metesse nisso, o meu pai e da escola que acha que a historia mete a inquisicao ao barulho, a minha tia nao conta porque e historiadora, nao consegui falar com a minha irma nem com o meu cunhado e a minha sobrinha Beatriz so nasce daqui a dois meses. Tendo em consideracao que somos gente interessada e curiosa mas nao propriamente a familia de S. Thomas Moore que discutia Platao em latim com Erasmo de Roterdao enquanto jantava, eu nao diria que a morte dos 4000 cristaos novos as maos da turba enraivecida seja um conhecimento assim tao esoterico. Como so um de nos tirou um curso na area das ciencias sociais e humanas , presumo que haja outros meios de conhecer a tragedia do domingo de Pascoela sem ser por via universitaria... ao contrario do que pretendem alguns dos defensores da teoria do branqueamento historico do 19 de Abril de 1506.
Tambem acho deveras interessante que alguns bloggers, especialmente da subespecie que tem o seu nicho ecologico nas caixas de comments, que se dedicaram a desancar a ignorancia e o embotamento moral do povo portugues com uma pertinacia e uma verbe dignas d' "O Lodacal" de Joaoa da Ega muitas vezes nao saibam sequer escrever pogrom, aparentemente nao distingam um judeu de um cristao-novo e tenham tido que esperar pelos posts do Rua da Judiaria para tomarem contacto com um facto historico com que a minha avo de 84 anos e cuja a instrucao formal se resume a quarta classe estava perfeitamente familarizada...e nestas ocasioes que os ingleses costumam recomendar o consumo de uma especialidade culinaria que da pelo nome de humble pie.
O Governo portugues supostamente ignorou a ocasiao? Que eu saiba o governo portugues nao se costuma associar a comemoracao de datas historicas que nao sejam o 5 de Outubro e o 25 de Abril. Nao vejo porque haveria de se abrir um precedente nesta ocasiao quando tal nao foi feito dia 9, dia da Batalha de La Lys, por exemplo.
Nao vou pretender de modo algum, pois isso seria tremendamente desonesto da minha parte, que o massacre de 1506 seja uma parte da historia com que nos portugueses convivamos com facilidade, e uma memoria amarga com que e complicado lidar-mas nao e de forma alguma a unica. Gostamos de recordar o trafico de especiarias e sedas nos descobrimentos mas nao o de escravos, nao referimos as maquinacoes politicas que levaram a participacao de Portugal na primeira grande guerra, a guerra colonial e um assunto tabu e e dificil engolir que em 1926 Salazar foi visto como uma especie de salvador da patria...podia continuar a lista de exemplos, mas nao me parece que valha a pena no contexto deste post-nenhum pais gosta de ser confrontado com os esqueletos que estao escondidos no armario.
Ja e tardissimo e eu tenho mesmo que ir dormir, mas mais tarde pretendo voltar a este assunto
15 Comments:
Ora muito obrigada por teres falado nisto - aprendi mais uma coisa sobre a nossa historia! E desculpa la discordar, mas nao acho que seja um facto do conhecimento geral. E claro que tambem nao digo que seja preciso formacao universitaria na area humanistica para o saber - mas nao cometas o erro de achar que a tua familia representa um conhecimento mediano... Regra geral, o conhecimento do portugues medio e muito inferior aquilo que nos achamos que e a media... Sim, estou a dizer que somos priveligiados, estou. Por muito politicamente incorrecto que seja, e verdade. E quando digo "somos" falo de nos, das nossas familias e da maior parte (se nao o todo!) dos nossos amigos e conhecidos. E bom ter consciencia disso...
como tu dizes, o conhecimento geral pode nao ser nenhuma maravilha, mas o que eu acho ridiculo e a conversa da ocultacao deliberada dos factos-as pessoas nunca ouviram falar disto como nunca ouviram falar de muita coisa, nao existe um complot deliberado para ocultar informacoes.
Bom, ai parece-me que tens razao, nao vejo nenhuma razao aprticular para se esconder especificamente esse facto na historia do pais... Ou, lancando mais umas achas para a fogueira, sera que os complots nao sao precisamnete para manter as massas na ignorancia de muitas coisas e nao so de algumas em particular?...
se eu soubesse isso minha amiga, este blog nao se chamava Aurelia-chamava-se The lone gunsman
;-)
perdao, Lone Gunmen-e tinha que estar a escrever numa cave com mais dois cromos
Obrigada por teres falado nisto, mas tenho de discordar do teu ponto de vista. Muitos dos factos históricos de que temos conhecimento foram-nos transmitidos nas aulas de História, e este não consta dos programas, pelo menos não constava no 'meu tempo', ao contrário do Tratado de Methuen e do Mapa Cor-de-Rosa. A única coisa que sabemos sobre os judeus é a sua expulsão por D. Manuel. Acho que há um branqueamento deliberado, sim, mas não necessariamente por anti-semitismo. Na verdade fala-se pouco dos massacres da nossa história, fala-se pouco de tudo o que não seja 'a grande aventura dos Descobrimentos'. A história de Portugal nas colónias ainda está por escrever, e desconfio que assim continuará, e fala-se pouquíssimo da presença de Portugal no Brasil para além da descoberta propriamente dita. Foge-se a 7 pés de tudo o que nos afaste da 'vocação universalista' dos portugueses da nossa 'boa' colonização ao contrário da colonização 'má' dos vizinhos do lado. Não fica bem a uma 'vocação universalista' trazer à baila um pogrom e a expulsão do nosso território do que viria a ser a nata da cultura e da economia europeia. Na verdade cada vez menos se fala seja do que for, a não ser de novelas e bola...
Eu concordo contigo que ha um branqueamento da historia Ana, aliaz refiro isso precisamente no penultimo paragrafo deste post.(embora reconheca que os meus comentarios nesta caixa possam ser interpretados exactamente ao contrario, exprimi-me mal)
A questao da cerimonia das velas anda a deixar-me irritada porque o que comecou como uma iniciativa de muito valor- a exposicao dos acontecimentos vistos por autores da epoca no blog do Nuno Guerreiro-esta a tornar-se num circo horrendo e num alardear de supostas superioridades morais , preconceitos varios e deturpacao dos factos historicos-ha ate um senhor que esta a aproveitar a publicidade gratis para promover o lancamento da sua tese de doutoramento em forma de livro . Justamente por ter muito respeito pela memoria das vitimas e que acho que este tipo de coisada vergonhosa
mas lgo a noite escrevo a segunda parte deste post e ja entendes melhor o que quero dizer
Cara Ana,
Desculpa la, mas se o meu conhecimento da historia de Portugal e do Mundo se baseasse no "programa" da disciplina de historia, a unica coisa que sabia e que nos tinhamos metido numas naus e ido a aventura e que os espanhois foram muito maus e mataram o pessoal todo na America do Sul, umas coisas sobre os romanos que andaram para ai a espalhar a "civilizacao" e pouco mais. Nem mapas cor de rosa, nem pouco mais ou menos e entao do seculo XX nao vale a pena tocar porque depois tinha que se falar no Salazar e, cruz credo, como e que se diz as criancinhas que tivemos uma ditadura e a seguir uma revolucao, valha-me deus, comunista?!?! Discordo da Joana em achar que a sua familia e exemplo, mas por favor, nao vamos descer tao baixo a assumir que se nao esta no "programa", entao nao somos obrigados a saber...
Ja agora, Joana, percebo essa raiva, isto ja chegou as cronicas dos editores do Publico... fico a espera da parte II com curiosidade.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
metis e ana,
Se duas das minhas melhores amigas se vao pegar por causa de um mal entendido e mesmo uma pena. Nunca se conheceram mas acreditem que tem muito em comum
:-)
Voces sao as duas pessoas muito passionais e neste momento cheias de trabalho ate a ponta dos cabelos...calma.
Ao usar a expresao "descer tao baixo" a metis esta a usar uma expressao idiomatica, nao e com intuito de a aplicar a ti, ana.O cara tambem presumo que nao foi usado de forma condescendente
A metis e eu fazemos parte de um grupo de pessoas que foi apanhado no meio de umas quantas reformas educativas, na disciplina de historia houve periodos (como os descobrimentos) que foram dados varias vezes, enquanto que outros forma omitidos ou dados de forma muito resumida-nao sei se por acidente ou nao. Basicamente saltei do seculo XVII para o fim da ditadura fascista
E natural que a vossa diferenca de idades explique as descrpeancias nos programas escolares
metis, a ana nao esta de maneira nenhuma a defender que as pessoas se limitem a aprender o que e dado no programa escolar-e uma das pessoas que conheco que aprendeu mais por si propria e e uma leitora atenta de muitos e diversos assuntos (podes consultar o blog dela e tirara as tuas conclusoes)
amigas, sim?
metisalfa, voltei a ler o meu post para ver o que pode ter despoletado um ataque tão descabelado. Em primeiro lugar, não me considero educadora do povo e não me passa pela cabeça declarar o que as pessoas têm ou não 'obrigação' de saber. Limitei-me a constatar um facto. Os conhecimentos da maioria das pessoas sobre matérias não relacionadas com o seu percurso académico e/ou profissional ou com questões de gosto pessoal limitam-se ao que aprenderam na escola e pouco mais. Em todo o caso, devo dizer que os programas de História pelos quais estudei não se assemelham em nada ao que descreves no teu comentário - haveria alguma incipiência, como em todas as disciplinas de um curso geral, mas branqueamento ideológico não dei por ele, antes pelo contrário. Devemos ter estudado em épocas diferentes. Em todo o caso, mesmo para pessoas que quisessem aprofundar os seus conhecimentos para além da escola, já todos concordámos aqui que o pogrom de Lisboa é uma questão muito pouco conhecida. Se isto é 'descer tão baixo', paciência.
Atrevo-me a acrescentar que tomáramos nós que toda a população portuguesa tivesse uma cultura geral ao nível do ensino secundário. Já seria um feito digno de nota.
Bom, para comecar peco imensa desculpa, Ana! Nao quis ser agressiva nem fazia tensoes de te insultar, Ana. O "descer tao baixo" nao e em relacao a ti, mas sim a discussao... E o problema da palavra escrita, falta a enfase do discurso falado e da origem a estes mal entendidos. A minha reaccao acalorada tem a ver com odiar visceralmente a visao de que o que sabemos de um determinado assunto tem a ver com o que supostamente nos ensinaram na escola. E fico contente em saber que durante o teu percurso escolar aprendeste algo mais do que eu - sinceramente, acredita, nao estava a exagerar, foi mesmo so isso que aprendi! Claro que alem das reformas de que fomos sendo cobaias, se calhar tambem tive muito azar nos professores de historia que fui apanhando. E nao quis dar a entender que houve da parte desses professores alguma tentativa deliberada de branqueamento historico mas que nunca passamos do inicio da I Guerra Mundial, nao...
Quanto a questao em discussao, o pogrom de 1506, sim, ja todas concordamos que nao e do conhecimento geral e este post da Joana teve a virtude de me ter informado pelo menos a mim. Ja ha mais uma pessoa a saber desse facto gracas a esta discussao! ;-)
Espero ter esclarecido o que quis dizer e que nao haja ressentimentos. Como a Joana diz, eu sou um bocado passional e para quem nao me conhece, as vezes dou a impressao errada. Fica o pedido de desculpa pela agressividade da missiva e espero que esteja claro que nao pretendeu ser um ataque pessoal.
:-)
ah, é verdade, joana, querias novas do Moita Flores? Ai Deus e u é, agora dedica-se a assassinar o bom do Aquilino e o seu 'Quando os Lobos Uivam'.
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