terça-feira, maio 30, 2006

ISTO E BOM DEMAIS PARA ESTAR PERDIDO NUMA CAIXA DE COMENTARIOS

Levantar às 6:01 da manhã, desligar o despertador, ir ao quarto de banho lavar-se e aparar a barba, vestir o fato, sentar-se à mesa onde o esperam as papas de aveia. Comer, levantar-se, grunhir um "até logo, Ana Maria", sair sem um beijo, resistir estoicamente a mais uma viagem de autocarro ensardinhada, fazer a travessia do Tejo, outra viagem de autocarro até à repartição. Parar, ajeitar o casaco e o cabelo, percorrer os dois metros seguintes e entrar. Sorrir ao chefe ao entrar, aquele sujeito gorduroso, porco ridículo que tem a mania que é melhor que os outros só porque é sobrinho do Procurador. Fazer má cara ao energúmeno que trabalha na secção de informática ("sempre com aquela roupa reles, sempre com um sorriso para todos, aposto que anda sempre drogado... igualzinho aos paneleiros dos amigos que o meu filho arranja, o mundo está perdido!"), sentar-se atrás do vidro ligeiramente opaco, barreira inestimável. Alinhar as canetas e os papéis, ligar o computador, ajeitar os óculos sobre o nariz, 08:30, olhar em frente e ver entrar os primeiros conjuntos de papéis, carregados pelos primeiros contribuintes do dia. Confirmar, carimbar. Corrigir, confirmar, carimbar. ("Mau, que me quer este?") "Não, claro que aqui não é a secção de IRC. O balcão de informações é ali para o fundo, pergunte lá." Carimbar, arquivar, arquivar, carimbar. "12:00, vai ter de voltar depois da hora de almoço. Confirme na porta." Sorriso de orelha a orelha ("toma lá, se julgavas que eu ia ficar aqui na hora de almoço estavas muito enganado..."), saída para almoço. 12:59, voltar a sentar-se atrás do gume do vidro, olhar desafiador. Carimbar, arquivar, carimbar, arquivar, carimbar. Levantar o sobrolho ("olha-me este, nem para vir à Repartição se veste direito?"), arrancar as folhas da mão do contribuinte, carimbar, rosnar um "pode ir, seguinte!", carimbar carimbar carimbar. 17:30, "volte amanhã, vai fechar". Levantar-se, compôr o fato, sorriso e até amanhã para o chefe, olhar de soslaio ao impertinente da informática, sair da repartição para o meio da turba. Partilhar o autocarro com pirralhos que agridem toda a gente com as mochilas, adolescentes depravados e toda a escória da sociedade. Barco, autocarro, endireitar a aba do casaco, entrar. Pousar a mala, sentar-se no sofá a ver os males do mundo passar frente aos olhos, terrorismo por todo o lado e ninguém faz nada, se impusessem regras no mundo as coisas funcionavam, "no meu tempo é que era, sabia os rios afluentes linhas de comboio cidades vilas e aldeias com número ímpar de ovelhas de todo o império!, não é como os jovens de hoje em dia...", Levantar-se para jantar, "finalmente, Ana! Já disse que gosto do meu jantar a horas", sentar-se pesadamente na cadeira, comer com os olhos fixos na televisão, levantar-se e ir dormir. Atirar as meias para um canto, vestir o pijama aos quadrados, deitar-se e fechar os olhos.
Mas há pessoas que vivem. Que se despedem com um beijo ou um sorriso, que sorriem quando encontram um amigo no caminho, que lêm nas viagens, que fazem festas ao cão do vizinho, que cantam anormalidades em jantares com amigos só porque lhes apetece, que dançam no São João, que ouvem a música que lhes apetece, cujos olhos apontam para o canto superior direito quando escrevem.
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DRAKFERION ARRANJA UM BLOG!!!

6 Comments:

At 2:17 da manhã, Blogger Elsita said...

Fantástico.
O nosso neko escreve muito bem, devia mesmo arranjar um bloguito!

E, dona Aurelia, quando vem a minha conta???

 
At 10:39 da tarde, Blogger teresa said...

dançar no sãojoão é bom. é sim senhor.
e um blog para o moço, já!

 
At 11:23 da tarde, Blogger ana said...

Onde é que se assina?

 
At 11:56 da tarde, Blogger Gabriel said...

Ah, vou te contar um segredo: ele já o tem. Embora ele vá negar quando ler isto.
Por isso que eu digo sempre que me perguntam "com quem aprendeu a escrever?": com meu Mestre.
Um beijo

 
At 12:10 da manhã, Blogger Keila Vieira said...

Sim, repito o pedido. DRAKFERION ARRANJA UM BLOG!!!

P.S. triste nao vida para tantos que so resta viver assim. Realmente a morte das lutas daquele tempo em que fomos jovens.

Abraco

Keila

 
At 11:31 da manhã, Blogger Dom Pexote said...

Mas eu nem percebi o que quer dizer pandita... :(

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Arranja tu! :P

Nah... arranjar arranjei, mas descobri que só consigo escrever bem às vezes, e sempre para outros.
O problema é que eu funciono à base de estímulos: tipo o Dr House, mas sem precisar de ser na forma de pílulas.
Ou seja, não funcionou. *encolher de ombros*

Nem toda a cultura do mundo há-de fazer de mim um artista, serei engenheiro até ao fim! ^^

 

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